Uma das novas expressões que entraram no vocabulário brasileiro nos últimos tempos foi a palavra "legado". Pouco usada até então, ela significa quando alguma coisa ou atividade gera uma consequência útil para a posteridade.
A organização da copa em si foi um sucesso, apesar dos estádios incompletos, das obras de infra-estrutura urbana sem previsão de conclusão e da festa de abertura horrível, que lembra mais as aberturas de gincanas em colégios de cidades bem pequenas. Agora que chegou a final, resta saber o que a copa deixou como consequência de sua realização, para os brasileiros.
Mas para mim, já noto que esta copa trouxe um grande legado. E não tem nada a ver com obras nem com a diversão acontecida nos gramados. O grande legado na verdade, é uma lição. Uma lição que soa amarga para os entusiastas do futebol, mas uma lição real e que pode ser o pontapé inicial para o longo e doloroso processo de amadurecimento coletivo da sociedade brasileira.
A grande lição é que pelo menos o futebol não é mais unânime. Para a imensa maioria, ele ainda é importante. Mas deixou de ser "biológico", de "estar no sangue". A grande novidade para os entusiastas do futebol é que a sua forma de lazer favorita e principal razão de ser para muitos desses entusiastas, é que existem brasileiros "hereges" dispostos a passar bem longe do futebol, ignorando e desprezando tudo que for relacionado a modalidade esportiva, além de sentirem incomodados com a gritaria e com o monopólio de futebol nas conversas de amigos e na programação televisiva.
Aliás, monopólio nem tanto. A mídia parece ter descoberto antes da população a existência dos não-futeboleiros. As propagandas foram fortemente hegemônicas, mas não mais monopolizadas como antes. Percebendo as críticas que rondam a redes sociais (santo Facebook que está deslegitimando o fanatismo futebolístico...), as agências de publicidade perceberam que não poderiam exagerar na publicidade pró-copa. Houve até uma anúncio de carro em que o seu ocupante vê uma torcida comemorar, fica alegre, mas não se junta a eles, preferindo a tranquilidade onde se encontrava. Em outros anos, ele teria que sair do carro e se unir à torcida. Feliz sinal dos tempos.
Claro que é a primeira copa em que a consciência do "fim" da suposta unanimidade e muitos torcedores e entusiastas se incomodam com isso, pois para muitos, a crença em uma unanimidade era um dos motivos do futebol ser tão admirado. Com o tempo irão se lembrar que o futebol é uma forma de lazer (não um "dever cívico" como ainda pensam) e como lazer, ele nunca deve ser imposto como obrigação.
Por mais de sessenta anos acreditávamos no futebol como um dever, como a nossa única razão de orgulho (imagine um país vasto e diversificado como o Brasil, ser marcado por uma coisa só...) e agora vem uns " enxeridos" tentar acabar com essa falsa magia infantil de nos transformar em uma "pátria de chuteiras"? Para mim, transformar o Brasil em "pátria de chuteiras" é altamente ofensivo, pois passa a ideia que não temos nada para oferecer aos outros além de futebol. Ainda vou escrever sobre isso.
Quem usa a lógica - e brasileiros não gostam de raciocinar, preferindo construir suas convicções com a confiança em instituições e pessoas socialmente prestigiadas - sabe que o futebol não passa de uma forma de lazer supérfluo. E nem adianta negar isso. O futebol nunca trouxe nenhum benefício para o país e me arrisco a dizer que em um certo ponto chega a ser nocivo, pois estimula a barulheira e dificulta a o desenvolvimento do país (ocupado demais com o futebol, se esquece do resto). Pra quê continuarmos priorizando algo que nunca nos beneficiou?
Resta saber como serão as outras copas. Tomara que os brasileiros aos poucos ouçam as críticas justas, sinceras e racionais feitas contra os excessos do fanatismo futebolístico. Resta saber se um dia os brasileiros irão amadurecer.
Resta saber se um dia irão reconhecer que, além do futebol ser supérfluo, não merecendo essa dedicação toda, que temos outras coisas em nosso país para nos orgulharmos e que só uma sociedade medíocre e mesquinha para colocar uma única modalidade esportiva para simbolizar um país tão grande e diversificado que deveria ser conhecido pela sua variedade e não apenas por uma coisa só.
Perceber que o futebol não é mais unânime já é um bom legado. E que tenhamos mais legados, para que um dia não precisemos parar um país por causa de um lazerzinho bobo cujo único "benefício" é dar a oportunidade de atazanar vizinhos com uma estrondosa gritaria.
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