domingo, 7 de junho de 2015

Entendendo o fanatismo do futebol

Um amigo nosso que gosta muito de futebol, mas respeita e até defende o direito de alguém não gostar do lazer preferido dos brasileiros, concordou em nos explicar como acontece o fanatismo no futebol e o que se passa na cabeça de cada torcedor. 

Foi uma conversa amiga, descontraída, respeitosa, com muitas comparações interessantes e que acabou deixando tudo claro a respeito de tudo. Acabou estimulando o entendimento e o respeito mútuo entre os que gostam e os que não gostam de futebol. Simpático e compreensivo, o torcedor só pediu para que não fosse identificado. Vamos à conversa.

Tela Verde - Como acontece o fanatismo no futebol?

Torcedor - É uma coisa arraigada em nosso cotidiano. Não faz sentido, mas é algo difícil de se eliminar. É como uma religião. As pessoas são educadas a cultuar o futebol, mesmo que isso não renda benefícios. É algo com que temos que conviver como algo inerente a nossa sociedade.

Tela Verde - Os escândalos de corrupção no futebol vão acabar com o interesse na modalidade esportiva?

Torcedor - Praticamente impossível que acabe. Nós, os torcedores, encaramos o que acontece nos bastidores, sobretudo o que se refere à cúpula de diretores como algo distante. Para nós, que interessa é o prazer de ver a bola rolando no gramado. O que acontece fora dos gramados costuma passar despercebido.

Tela Verde - Mas a manipulação dos resultados? Isso não tira a empolgação?

Torcedor - Amigo, cada partida de futebol é como um filme: gostamos de acreditar que aquilo é real. Quando você assiste ao "Missão Impossível", por exemplo, você vê o Tom Cruise, o rosto é dele mas não é ele que está lá, é o Ethan, o personagem. E Ethan faz coisas que Cruise não faria na vida real. É um roteiro pré-determinado, mas quando você assiste, parece um fato real acontecendo na hora. No jogo é assim, mesmo que todo o resultado e a atuação estejam decididos no início, acompanhamos como se todo esforço fosse verdadeiro. Igualzinho quando assistimos a um filme.

Tela Verde - A mídia ignora quem não curte futebol, tratando o gosto pela modalidade como uma unanimidade. O que acha disso?

Torcedor - Apesar de gostar muito de futebol, não concordo com isso. Vivemos numa democracia. Se eu acho no direito de gostar, eu deveria também respeitar e até lutar pelo direito de quem não gosta. Mas infelizmente, os brasileiros também são levados a acreditar nessa falsa unanimidade e acabam não respeitando o direito de quem não curte futebol. Quem não gosta de futebol vive como uma criança posta em castigo, quieta e sentada em um banco vendo as outras crianças brincarem, correndo e gritando pelo pátio. Acho essa exclusão lamentável.

Tela Verde - Em copas vemos muito isso acontecer.

Torcedor - Sim. Sem duvida, isso acontece. Infelizmente, Os não-torcedores são vítimas de exclusão e sofrem sozinhos. Seu lamento é abafado pelos gritos histéricos da torcida. As autoridades nunca se preocupam em épocas de copa em oferecer lazer a quem não curte o evento, gente cuja existência é ignorada. Quem não curte futebol se sente abandonado em épocas de copa, sem a companhia de amigos e tendo que se virar para arrumar diversão.

Tela Verde - Realmente, há muito preconceito contra quem não curte futebol.

Torcedor - E não deveria haver. Sinto que há uma rejeição por uma boa parte da sociedade contra quem não curte futebol. Estamos superando muitos preconceitos, ainda com muita resistência, mas nem começamos a lutar contra este. Dói saber que muitos perdem amigos e até empregos porque se recusam a gostar de futebol, sendo tratados como antipáticos, como se não quisessem "participar da brincadeira coletiva". Temos que lutar contra esse preconceito.

Tela Verde - Muitos torcedores ficam na defensiva quando conhecem alguém que não curte. Como se esse alguém tivesse o poder de destruir o futebol.

Torcedor - Outro pensamento lamentável resultante deste tipo de preconceito. Conheço alguns caras que não curtem, incluindo você, e todos são uma simpatia, respeitando o nosso lazer, mas criticando sabiamente quando há algum tipo de abuso. Mas não vejo ódio anti-futebol em suas críticas. Isso é paranoia de torcedor fanático que acredita numa suposta unanimidade que nunca existiu. A falta de unanimidade incomoda a muitos, que acabam por acreditar na ilusão de que quem não está na onda da maioria tem a intenção de arruiná-la.

Tela Verde - Há uma não-assumida regra social que obriga todos a curtirem futebol. Você acha que tem falsos torcedores infiltrados na torcida?

Torcedor - Sim. Tem muita gente que finge gostar de futebol para se sentir incluído na sociedade. Minha mulher, por exemplo, fala que torce para time tal, mas ela não acompanha os jogos, não conhece os jogadores, a biografia do time e muito menos a equipe técnica. Durante a copa, ela assiste aos jogos para não se sentir solitária, mas agindo de forma bem pedante. Na verdade, tenho que dizer, minha mulher não curte futebol. Mas ela sabe que se assumir isso publicamente, ela perde alguns direitos sociais. Isso é um fato muito mais comum do que se pensa e acredito que o número dos que realmente gostam de futebol possa ser muito menor do que se possa imaginar.

Tela Verde - Falando em copa, você acha justo que a sociedade brasileira pare durante um mês por causa de um campeonato de futebol?

Torcedor - Não deveria, mas há motivo para isso. O Brasil, pela sua natureza é um país lúdico. O lazer é visto como uma prioridade e em muitos estados é a principal fonte de renda. O turismo confirma isso. Autoridades enxergam na copa, mesmo não sendo realizada aqui, como meio de usar a diversão para aumentar lucros financeiros. É mais que provado que indústrias de bebidas e alimentos, fabricantes de acessórios decorados com as cores da seleção brasileira e a mídia, entre emissoras e patrocinadores, lucram mais dinheiro durante o período de copa, sendo interessante para o governo priorizar essa "galinha dos ovos de ouro". Por isso que autoridades concordam em parar o país, que na verdade continua fazendo renda, muito mais do que em tempos comuns.

Tela Verde - Para você, a copa foi um fracasso?

Torcedor - Sim, foi um grande fracasso. Não era o momento certo de organizarmos um evento desse porte. Independente de termos ou não ganhado o campeonato, a nossa imagem de anfitriões foi arranhada por nossa incompetência, mostrada na própria organização pueril e nas obras de infra-estruturas inacabadas até hoje, quase um ano após o fim. Até concordo que esta crise tem muito a ver com esta copa, como alertou muita gente no início.

Tela Verde - A derrota para a Alemanha, a pior na história da seleção brasileira, te magoou?

Torcedor - Claro que incomodou, mas não me magoou. Mas como sou um torcedor politizado, tinha a certeza da manipulação dos resultados. O Brasil só ganha ou perde no futebol quando os cartolas e patrocinadores querem. Queremos ou não, isso é um fato. Fingimos a honestidade durante os jogos porque precisamos desse fingimento para extrair prazer. Mas acabadas as partidas, somos obrigados a reconhecer essa manipulação. Até concordo que a copa de 2002 foi ganha desonestamente e na de 2010 a derrota foi forjada para que os torcedores pudessem sentir raiva do então treinador Dunga, que desobedeceu algumas ordens impostas pelos dirigentes.

Tela Verde - O que acha da violência no futebol. Ela é coisa de quem não gosta da modalidade, como dizem por aí?

Torcedor - Essa acusação é preconceituosa. Não acredito que seja coisa de quem não curte futebol. Quem não gosta de futebol costuma ser pacífico e prefere ficar longe dos jogos. Não-torcedores não iriam ficar perdendo tempo estragando o lazer alheio. Eles têm outras coisas a fazer. Para mim isso é coisa de quem ama demais a modalidade, mas não sabe se comportar dentro do hobby. Esse tipo de torcedores age como um grupo de fundamentalistas, lançando mão do desrespeito humano para impor o seu prazer particular.  A violência com absoluta certeza é resultante de fanáticos que usam o hobby para "soltar seus demônios". Gente que gosta demais de futebol, mas canaliza mal suas emoções durante os jogos.

Tela Verde - É bom associar o futebol a patriotismo?

Torcedor - Nem sempre. Mas isso acontece para aumentar o prazer no futebol. É uma fantasia, algo irreal, em que gostamos de acreditar durante as partidas. Uma comparação lhe fará entender isso. Numa relação sexual com sua namorada, ela decide se vestir de enfermeira durante o ato. Ela não é enfermeira de fato, mas durante a transa, você imagina que ela seja para que o prazer gerado pela fantasia seja maior. É a mesma coisa. Gostamos de acreditar que os jogos da seleção fazem bem ao país porque isso aumenta o prazer no hobby. Encerradas as partidas, voltamos a realidade e dissociamos o futebol desse civismo todo.

Tela Verde - Dá para perceber que o fanatismo do futebol gera um monte de transtornos. Há como mudar isso?

Torcedor - Sim, claro que há. O futebol em si nada tem de errado. É uma forma sadia de lazer. O problema sempre nasce quando enxergamos no futebol algo além da diversão. Quando os brasileiros enxergarem no futebol uma mera forma de lazer, como acontece com outros esportes, como o basquete, acredito que tudo de ruim que é atrelado à modalidade possa desaparecer. E aprenderemos a entender que o Brasil não precisa de uma modalidade esportiva para elevar sua auto-estima. Somos o país da diversidade e temos muita coisas para nos orgulhar. E ficarmos presos a uma forma de lazer apenas vai contra essa nossa vocação para a diversidade. Há espaço para o futebol, mas deveria haver espaço igual para muitas outras coisas, O país é grande o suficiente para isso.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Corrupção não espantará torcedores, que arrumarão jeito surreal de manter o fanatismo

A sucessão de denuncias de corrupção na cúpula da FIFA tem revelado um lado bem podre do entretenimento futebolístico. Mas não pensem que essas denúncias, comprovadamente verdadeiras em sua maioria, irão espantar os torcedores, fazendo-os migrar para modalidades esportivas mais honestas.

A natureza não dá saltos. E o povo brasileiro já demonstrou inúmeras vezes que não se dispõe a desistir de fontes de prazer duradouras. Pessoas que foram educadas durante muito tempo a gostar de uma determinada coisa, nunca desejam se livrar dela, pois representa o significado de alegria e bem estar por muitos anos de vida. Sair da zona de conforto não é algo fácil de se fazer da noite para o dia.

Na verdade, para a maioria dos torcedores, a conveniência será a de separar ao futebol de sua administração, o que é surreal. Boa parte dos torcedores ou tem um nível intelectual atrofiado ou simplesmente não está interessado nos bastidores do futebol. Torcedores querem ver bola rolando e entrando na trave. Honestamente ou não. Se o time preferido ganha, isso é o que interessa. Mesmo que o dirigente pague para que tal time ganhe desonestamente.

A prova e que a população gosta de separar bastidores de interesses é o fato de que muitos saíram em protestos contra a corrupção com a camisa de "seleção" com os símbolos das corruptas Nike e CBF bem claros. Obviamente saíram pensando que a camiseta simbolizava o país (para os brasileiros, a "seleção" é símbolo cívico), ignorando o verdadeiro motivo que levou a "seleção" a ser maioral. Que nada tem a ver com a suposta qualidade de seus jogadores, ídolos postiços superestimados pela população.

Fanatismo cresceu com João Havelange

Lendo o livro O Lado sujo do Futebol, soube que a transformação do futebol e da "seleção" em símbolos cívicos coincidiu com o crescimento de poder de João Havelange, brasileiro que presidiu a CBD (atual CBF) e foi o mão de ferro da FIFA. Ela foi o responsável por aumentar o prestígio do futebol para transformá-lo em inadiável compromisso cívico-social.

Altamente corrupto, Havelange viu na publicidade pseudo-cívica uma forma de transformar o futebol em uma obrigação, transformando os lucros financeiros que vinham dele em lucros garantidos, que chegavam pontualmente nas mãos de dirigentes e patrocinadores. 

Afinal, sendo uma obrigação, qualquer brasileiro se sente disposto a largar qualquer gasto importante para torrar dinheiro com o futebol. E é isso que garante os lucros. Afinal "é bom para a pátria". Mesmo que nunca melhore essa mesma pátria. E na prática, é isso mesmo: futebol não melhora o Brasil: é uma mera fuga de problemas que os torcedores, intelectualmente preguiçosos em sua larguíssima maioria, se recusam a resolver.

Mesmo assim, os brasileiros não estão dispostos a abandonar o futebol. Mesmo até com jogadores e ex-jogadores corruptos (Ronaldo está envolvido no escândalo e o giga-popular Neymar dá sinais de que compactua com o esquema e até criou empresa fantasma para isso, com o apoio do próprio pai). 

Mesmo que jogadores estejam envolvidos, para a população, eles são meros soldados a lutar pela pátria. A "seleção" é que é "A Pátria" e sendo institucionalizada, brasileiros nunca irão abandoná-la, mesmo que dirigentes e jogadores a abandonem. 

Futebol é instituição. Povo defenderá apelando para o surreal

Para a maioria a "seleção" e os times são instituições. E o povo vai continuar cultuando-as aconteça o que acontecer. Mesmo que todo o futebol seja uma farsa. Mesmo que apelem para o surrealismo de entregar a administração do futebol para o povo, como muitos ingênuos acreditam ser possível.

As pessoas vão tentar separar os casos de corrupção com o que acontece nos gramados (a mídia já está fazendo este serviço, evitando colocar de maneira consecutiva notícias sobre os escândalos e notícias sobre o que acontece os jogos), como se os jogos nada tivessem relação com o que ocorre nos escritórios das direções dos clubes. Mas têm.

Contos de fadas aprendidos na infância geralmente custam a sair de nossas mentes crédulas. Impossível convencer torcedores a deixar essas ilusões saírem de suas mentes.

Vini Jr, Racismo e a hipocrisia da Classe Média brasileira

O assunto desta segunda feira com certeza foi o inaceitável caso de racismo sofrido pelo jogador Vinicius Júnior, o Vini, durante um jogo de...