domingo, 20 de maio de 2018

Desabafo: quando a maioria gosta do que você não curte

Ouvi dizer uma vez que a democracia não é a vontade de todos e sim a vontade da maioria. É praticamente impossível agradar a todos em um mundo em que opinião e preferências são tratadas como patrimônios, fazendo as pessoas terem exatamente o mesmo gosto ao nascer a antes de morrer.

O ser humano é um ser social. Mas para que a sociedade tenha uma certa harmonia, é preciso haver regras. Apesar de não serem escritas em uma espécie de "constituição", as regras sociais costumam ser rígidas. 

Apesar de não haver uma autoridade que fique responsável por regulá-las e fiscalizá-las, a própria sociedade cuida disso. Os próprios cidadãos se encarregam de verificar se tais regras estão sendo cumpridas. Os próprios cidadãos se encarregam das recompensas e das punições.

Nos acostumamos a obedecer tudo e todos. Passamos a maior parte do tempo obedecendo alguém. Cerca de 8 horas por dia, durante cinco dias (ou mais) a cada semana, abrimos mão das nossas vontades para satisfazer interesse alheio. É natural que no final de semana e nos períodos de lazer, mantivéssemos o cacoete.

O lazer no Brasil não é espontâneo. Não é porque tem que estar de acordo com as regras de convívio social. Somente crianças são espontâneas. Já na adolescência, a sociedade começa a cobrar postura dos indivíduos. Se você não entra na onda do momento, logo é descartado do convívio social e recebe o carimbo de "esquisito". Isso quando não dão rótulos mais ofensivos.

Para evitar a solidão, segundo pesquisas o que as pessoas tem mais medo - mais do que a morte, e o crescimento no número de suicídios comprova isso - as pessoas decidem "seguir o gado" mesmo que estejam todos caminhando para o despenhadeiro. Um despenhadeiro cheio de gente parece melhor que um jardim florido esvaziado pela solidão.

O Brasil é um país com alta vocação para a diversidade. E diversidade, sem controle, é um risco para a desordem e o desentendimento. Incapaz de controlar a diversidade, a sociedade decidiu escolher algo que servissem de consenso, mesmo falso, que pudesse unir mentes de tão variadas ideologias. 

O senso comum decidiu que o futebol seria este consenso. Transformá-lo em quase unanimidade - sim ele não é unânime: há um monte de solitários indispostos a seguir o "gado" - foi uma decisão crucial para que os brasileiros pudessem ter pelo menis um ponto de união. Algo que pudesse representar, mesmo postiçamente, a confraternização entre os brasileiros.

Só que eu nunca curti futebol. Não curti nem curto. Futebol não me dá prazer e não me identifico com as características do esporte. Tênis, surfe, basquete e automobilismo me parecem mais interessantes. Mas sinto uma pressão social enorme que subentende o desejo de todos para que eu me una a imensa torcida pelo futebol nacional.

Já fiz inimizades apenas por assumir não curtir futebol. Se no Brasil, o futebol é uma não-assumida obrigação social, no Rio de Janeiro, onde estou morando atualmente, é quase uma regra de etiqueta e sinal de respeito humano. Diga ao dono de um restaurante italiano que a comida que você não gosta da macarronada que ele faz. A reação é a mesma quando um carioca ouve que alguém não curte futebol. Mesmo que isso seja dito de forma respeitosa.

Nem sei mais o que é dormir cedo, pois as barulheiras das noites de quarta desregularam meu organismo quanto a capacidade de dormir. Em tempos de copa, tenho que ouvir música em fones de ouvido para não ter que ouvir a algazarra que se medida em decibéis, soa como um avião supersônico decolando da janela de meu prédio.

Apesar de haver um numero grade de pessoas que não curtem futebol, elas estão espalhadas pelo país. E estranhamente não são unidas. Eu já propus em redes sociais para que os que não curtem futebol criassem um evento para não sentirem solitários em tempo de copa e para mostrar aos torcedores que a quantidade de alheios ao futebol não é tão pequena. Mas ninguém se empenha e cada um prefere se isolar. Vida social é prerrogativa de quem gosta de futebol.

E teremos copa mais uma vez. O gado ensandecido já coloca o assunto como prioridade nacional. A falsa unanimidade da ilusão de dever cívico a modalidade. Percebo que é a única noção de patriotismo para uma população que não se importa em ver suas riquezas vendidas e a população em crescente miséria. Enquanto gritamos gol na frente da TV, o assaltante vai roubando tranquilamente a nossa casa, tranquilo diante de nossa hipnótica letargia futebolística.

Quanto a mim, aguardo a tal copa como alguém que vai aguentar uma arriscada cirurgia. O Brasil entrará em coma durante um mês e a população concentrará a sua total atenção a um monte de bonecos correndo atrás de uma bola em uma tela verde. Isso nunca deu certo para o país, mas é tradição o fato de que brasileiros se apegam a tradições fracassadas.

Durante os barulhentos jogos da seleção estarei deitado numa cama, com um fone de ouvido com música em último volume. Após a histeria dos jogos, tudo volta como era antes e todos perceberemos que todo o empenho feito em prol de uma simples diversão foi inútil. 

Assim perceberemos porque nunca saímos do subdesenvolvimento. Estamos presos na infância de priorizar uma reles brincadeira. E ai de você se não quiser brincar...

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